Luís Osório partilha, quase diariamente, a sua opinião sobre os assuntos mais destacados da atualidade. Neste início de ano, porém, o conhecido jornalista faz um ‘Postal do dia’ bastante diferente desses mais informativos.
É uma mensagem de ano novo, que já se tornou viral, com muitos comentários de leitores, que não poderiam sentir-se mais inspirados na importância destas palavras tão assertivas.
“POSTAL DO DIA
Para ti… que achas que não serves para nada
1.
Eu sei que o fim-do-ano já foi.
Que estou a destempo.
Mas apeteceu-me escrever agora como se faltassem poucos segundos para 2024.
Voltar uns dias atrás.
Escrever para ti que estás sozinho.
Ou que estás sozinho parecendo acompanhado aos olhos dos outros. A mais feroz das solidões, a de estar acompanhado e sozinho.
A ti, que achas que não serves para nada.
Por te sentires desiludido, deprimido, excluído.
Preso aqui, preso a céu aberto, a mais feroz e detestável das prisões.
Sabes, detesto os livros e pensamentos de autoajuda. Não tenho nada que te possa dizer que te alivie o sofrimento da proximidade das badaladas de mais um ano – mas deixa-me dizer-te duas coisas óbvias: a única forma de estar ligado umbilicalmente ao mundo, a única maneira de verdadeiramente nos darmos aos que precisam – quer estejam num campo de refugiados ou num bloco de paliativos – é assumir a impossibilidade de estar com alguém em concreto. Sem a liberdade de podermos caminhar sozinhos (e em solidão) dificilmente poderemos oferecer o melhor de nós aos que precisam.
Por isso goza o momento, bebe o veneno até ao fim, talvez depois seja mais fácil voltar à superfície.
A segunda é ainda mais óbvia: que a urgência de alguém tem em nós tanto poder como o que nos falta quando estamos sós. Sozinhos, falta-nos tanto. Acompanhados, falta-nos muito do que somos. Por isso, penso que são tão importantes os momentos em que estamos contentes e felizes e os outros, os momentos em que agora estás mergulhado.
2.
Sim, é para ti.
Aproximam-se as badaladas, as tais passas que metemos na boca com desejos. Os desejos que apenas calham aos outros, que apenas aos outros parecem merecer, não a ti.
Tu que sentes que o tempo custa a passar (sei bem o que é), perceberás que o fim do ano demorará mais a chegar do que aos outros. Uma hora para ti equivale a três para mim. Olhas para o relógio e os ponteiros não parecem andar. Sabes os contornos do teto, as rugosidades de cada uma das tuas paredes.
Só queres que a festa termine de uma vez por todas, estás farto de natais, de luzes, compras, família e dos anos que passam sem que vejas melhorias no que és e na clareza de um caminho que julgas que não foi feito para ti.
3.
Este texto é mesmo para ti.
Vê-o como um abraço, como um acenar de alguém que existe e é real, como tu és. Infelizmente não te posso ajudar em nada de concreto, cabe a ti vestires a tua melhor roupa e entrares no novo ano como se tudo fosse possível. Porque é tudo possível e deves celebrar essa possibilidade, mesmo que seja mínima. E nunca é mínima, por estranho que te pareça.
4.
Fazes isso por mim?
Toma um banho e veste qualquer coisa de especial. Telefona a quem não telefonas há muito ou deixa mensagem. Celebra a possibilidade de voltares a ver, de voltares a estar disponível para te comoveres. Vê as fotografias antigas dos que já não estão, chora. E se morares sozinha ou sozinho, como fiz durante tantos anos, compra uma coisinha que gostes, abre uma garrafa de vinho, deixa-te ir.
Chama a solidão para perto de ti. Quando a tornares íntima ela quererá ir embora. Como o ano de 2023. Que está felizmente a morrer.
Ao contrário de ti”.
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