Luís Osório é um assumido adepto benfiquista que, nas suas crónicas diárias, evita falar de futebol. Porém, nunca foge ao tema do momento e, esta semana, tem sido muito marcada por essa Assembleia Geral do FC Porto, que teve de ser interrompida por falta de segurança.
Alegadamente, adeptos posicionados a favor de Pinto da Costa não aceitaram ouvir argumentos dissonantes do presidente portista, num clima descrito como intimidação e de condicionamento, por parte de quem esteve presente.
Por isso, Luís Osório comentou o assunto, com uma reflexão sobre o legado de Pinto da Costa e como este pode estar agarrado ao poder, sem ter percebido que o momento de sair já passou.
Fique com o ‘Postal do Dia’ de Luís Osório:
“A última volta no carrossel de Pinto de Costa
1.
Jorge Nuno Pinto da Costa é o presidente mais titulado do mundo.
Também o mais carismático da história do desporto português – nenhuma figura despertou tantas paixões e tantos ódios, o que só pode ser um bom sinal.
O mundo está cheio de gente certinha.
De gente que aparenta uma coisa e depois é outra, de gente que se esconde em mantos de perfeição para depois esconder vícios privados.
Sempre desconfiei dos perfeitinhos, dos arranjadinhos, dos que se vingam apenas quando os adversários estão no chão, dos cobardes.
Podemos não gostar do presidente do FC. Porto, podemos até detestá-lo (ou odiá-lo), mas não é possível dizer que deixa alguém indiferente ou que tem duas caras.
Pinto da Costa nunca quis enganar ninguém.
Sempre foi o que disse em cada momento, sempre fez o que tinha de fazer para que o seu clube ganhasse. Não se importando muitas vezes, se tal fosse preciso, de invocar uma guerra santa contra Lisboa e o seu centralismo.
Não se importando também de ser agressivo para adversários, jornalistas, poder político ou quem se atrevesse a colocar em causa as vitórias do Porto.
2.
Para Jorge Nuno só uma coisa importava: ganhar.
E quando abria a boca era mais inteligente do que a larguíssima maioria, quando os outros ainda estavam na estação de comboio já ele estava no aeroporto, quando os outros o tentavam apanhar na curva já ele era uma miragem.
Inteligente, mordaz, implacável, vencedor.
Uma história de 40 anos que mudou a face do futebol em Portugal – para mim, para pior, mas isso sou eu, benfiquista assumido e sofredor.
Para os seus transformou-se, muito justificadamente, num Deus que teve o poder das divindades no Olimpo.
3.
Quando falava, todos faziam silêncio.
À boca pequena, e depois à sua frente, começaram a chamar-lhe Papa. O homem que faz acontecer.
Transformou o FC. Porto numa máquina de guerra.
Antes dele era um clube importante, mas longe de ser um clube vitorioso.
Sem Jorge Nuno Pinto da Costa o FC. Porto jamais seria o FC. Porto que conhecemos e que o mundo conhece.
É um facto.
Sem ele talvez algumas gerações não fossem do FC. Porto, talvez até André Villas-Boas não tivesse sido do Porto se não tivesse visto aquela final da Taça dos Campeões Europeus quando Madjer e Futre rebentaram com o Bayern de Munique – Villas-Boas acabara a quarta classe e chorou desalmadamente na emoção dos seus nove anos.
4.
Por tudo isto, é penoso assistir ao que está a acontecer.
Ao que sucedeu ontem na naquela triste Assembleia Geral.
Porque é sempre penoso ver uma grande figura cair com estrondo por não ter sabido sair a tempo. E por estar agarrado a um poder que é corporizado por gente que precisa de o manter.
É sempre assim.
A história prova-nos que é sempre assim.
Os homens venerados como deuses pelos seus, só resistem se não se convencerem que são deuses, o que é difícil.
Porque o poder é tremendo.
Rebenta com o mais preparado para lhe resistir.
E Pinto da Costa não percebeu que, a partir de determinada altura, as suas contas eram com a história, não com uma eleição X ou Y.
5.
Pinto da Costa perderá as eleições para Villas-Boas. A possibilidade de isso não acontecer é muito ténue.
Nos próximos meses o poder que de si depende tentará tudo por tudo – e muitas coisas tristes poderão acontecer.
Não fico contente por isso e com isso.
Pinto da Costa merecia que fosse de outra maneira, mas parece-me ser demasiado tarde para travar a loucura à sua volta.
Ainda vai a tempo de a travar, mas receio que não o faça. É sempre difícil quando alguém nos diz que temos de sair do carrossel, que é a última volta, que se tem de abandonar um lugar que julgamos nos pertence por ser nossa criação”.
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