Luís Osório tem sempre uma forma muito especial para comentar os assuntos mais quentes do momento. E quanto mais a pessoa se torna um alvo, mais cresce a vontade do famoso jornalista em se solidarizar com a ‘vítima’.
Marcelo Rebelo de Sousa tem estado debaixo de fogo, depois de algumas declarações recentes. Aliás, este segundo mandato do Presidente da República tem sido mesmo marcado por várias controvérsias. Das declarações sobre os abusos na Igreja, a visita ao Brasil, agora uma alegada desvalorização dos problemas humanitários no Qatar em prol do futebol e até as selfies e os beijinhos são agora motivo de crítica.
Há quem diga que Marcelo aparece demais, mas esse não é caso de Luís Osório. E o jornalista explica porquê:
“POSTAL DO DIA
Uma carta ao Presidente da República
1.
Exmo. Senhor Presidente da República
Meu amigo
As coisas andam difíceis.
De um momento para o outro, depois da sua mais do que confortável reeleição, parece que o seu caminho mediático se tornou mais difícil.
Em parte, por culpa própria – a defesa precipitada e fora de tempo da Igreja Católica.
Noutra parte, por uma vontade de o ferir – na sua popularidade, no seu juízo, na sua capacidade política.
À esquerda do PS por estar ao lado do capital e por ser beato.
À direita do PS por fazer incompreensivelmente o jogo dos socialistas.
Agora a desvalorização dos direitos humanos no Catar, uma crítica precipitada e injusta. Direi amanhã o que penso sobre este mundial.
2.
Escrevo-lhe então para lhe dizer um par de coisas sem importância.
Para partilhar consigo uma incredulidade por esta viragem (apenas aparente) dos ventos que em Belém sempre lhe tinham sido favoráveis.
De repente, para alguns comentadores ou figuras de referência nacionais, parece que o senhor já não serve.
Parece que dá muitos beijinhos, que tira muitas selfies, que está sempre pronto a dar abraços e é mais rápido do que a sombra a estar nos lugares onde há situações dramáticas, onde há lágrimas ou alegria, onde há diretos televisivos.
Ao fim destes seis anos algumas pessoas estão fartas de si. De alguém que está junto dos mais desfavorecidos (mas também dos mais favorecidos), de alguém que está sempre na rua, que está sempre a falar, que fala sobre tudo quando um Presidente da República deve ser recatado, institucional, ponderado, silencioso e tudo o resto que outros tinham e o senhor não tem.
3.
Por vezes é cansativo, não o nego.
Por vezes é excessivo, talvez sim.
Mas quero dizer-lhe que não me esqueço de Cavaco Silva. Não me esqueço da vergonha que tinha, tantas e tantas vezes, por ele ser Presidente de Portugal, da vergonha que sentia pela forma como geria o seu poder, o seu silêncio, a sua obsessão pelo tom palaciano, a sua irritante distância em relação aos outros (a quem olhava de alto como se fosse, como se fossemos, pobres diabos). Não me esqueço das suas visitas de Estado onde falava pelo país que eu amo.
4.
Por vezes, o senhor está demasiado presente e tem a tendência para ocupar todo o espaço, o que é terrível e o obriga a dizer coisas que são espuma dos dias.
Ah, mas eu não esqueço a sua capacidade política para gerir uma experiência governativa completamente nova. Não esqueço a forma como o senhor esteve junto dos que mais sofreram com os incêndios, não me esqueço de alguns dos seus abraços e dos olhos das pessoas que foram abraçadas. Não me esqueço que foi com o senhor que a política se abriu a uma dimensão afetiva. Não me esqueço da forma como colocou no lugar Donald Trump em plena sala oval. Não me esqueço da maneira como esteve com a Rainha de Inglaterra, como falou de igual para igual com Macron ou Merkel, como incentivou e apoiou a candidatura de Guterres às Nações Unidas, como homenageou Mário Soares nos dias da sua partida, pelo modo como lançou o grande objetivo de tirar os sem-abrigo da rua, pela maneira como conseguiu ser independente.
5.
Mas parece que para alguns é pouco. Há pessoas de referência que querem outro tipo de Presidente da República. Outro género de pessoa. Estão fartos de si. O senhor passou a ser um problema para uma certa elite.
Para alguns é pouco, mas eu não esqueço, meu amigo. E um dia destes passarei por Belém para lhe agradecer pessoalmente e, quem sabe, para uma selfie, a nossa primeira”.
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